quinta-feira, 4 de abril de 2013

Necrobutcher "Schizophrenic Noisy Torment"

Antes de mais nada, vou me permitir contar uma história.
Foi no princípio dos anos noventa que pela primeira vez ouvi falar do catarinense Necrobutcher. À época eu tinha por hábito procurar por referências de novas bandas nas costumeiras listas de agradecimentos constantes dos encartes dos discos de metal. Lendo uma dessa listas - no caso, a do split vinil dos mineiros do Expulser com o Brutal Distortion, lançado pela obscura Maggot Records -, achei a menção ao Necrobutcher com o seguinte comentário: "Gods!". Uma vez que tinha adorado o som do Expulser no split, fiquei na fissura para arrumar material desse tal Necrobutcher ("com esse nome massa, o som só pode ser porrada!", pensei). Depois de agitar alguns contatos no underground - no início dos noventa a internet ainda não era o impressionante repositório de informações que é hoje -, consegui uma fonte que tinha as demos da banda. Essa fonte (um sujeito pretensioso que integrava, e ainda integra, grupo famoso na cena black/death metal brasileira) negou-se a copiar para mim o material, ao argumento de que não mostrava o som do Necrobutcher para qualquer um (qualquer um?! como se houvesse legiões de pessoas batendo na porta do cara procurando por essas demos...). Lembro bem da frase idiota da figura: "quem tem, tem, quem não tem...". Quem não tem arruma, ô dacueba! Demorou mais um tempo, mas enfim consegui as demos. Primeiro como arquivo de computador, depois num bootleg cd. Os tempos hoje são outros. Agora ninguém mais depende de mp3 nem de disco pirata para ouvir o Necrobutcher. A incansável Nuclear War Now Productions acaba de relançar o material da banda, no formato cd e em vinil (versão standard e die hard).
Falando da compilação, o que temos aqui são as duas demos oficiais lançadas pela banda durante seu curtíssimo período de vida: Schizophrenic Christianity e Corrosive Noisy Torment (ambas de 89), além de mais dois ensaios do mesmo ano. Dizer que a qualidade de gravação é pavorosa seria abrandar o negócio. Trata-se, a rigor, de um dos mais toscos registros da história do metal. Se não acredita, confira a faixa título Schizophrenic Christianity. É mesmo difícil de acreditar que a primeira demo tenha sido gravada em um estúdio de verdade (como declarado pela banda) e não na garagem imunda de um de seus integrantes, com recurso a um tape-recorder mono dotado de microfone ambiente. Arrisco-me a sugerir que a sonoridade da segunda demo é ligeiramente menos abominável, o que surpreende, já que foi gravada (segundo a própria banda) no local de ensaio.
E a música? Fora do tempo, desafinada, indiscernível? Tudo isso poderia ser assacado como crítica. Como crítica, porém, seria totalmente fora de contexto, já que a proposta do Necrobutcher é precisamente fazer um som fora do tempo, desafinado e indiscernível: pura anti-música. Nesse sentido, eles foram insuperáveis. O caos do som é tamanho que mesmo o metal extremo parece ser pouco radical para a banda - eles chegam a ter uma música (?) batizada de "No Thrash", na qual repudiam o thrash metal da época como conformista, poser e não underground! A bem da verdade, em muitos momentos o que se ouve não é sequer metal, mas puro noise. Na demo Schizophrenic Christianity o estilo, em sua versão mais exagerada, ainda prevalece, na forma de um death/black tonitruante no qual se misturam influências de Sarcófago (do INRI), Holocausto (do Campo de Extermínio) e do igualmente anti-musical Exterminator. Em suma, o que de mais pútrido o underground deathcore de Belo Horizonte fora capaz de excretar até então. Já na segunda demo, Corrosive Noisy Torment, o punk/grindcore ganha espaço - são óbvias as citações aos ingleses do Sore Throat e do Napalm Death. O som dessa demo me lembra muito o som que o quase desconhecido grupo punk de grind/noise paulistano Brigada do Ódio fazia pela mesma época (ou um pouco antes). Talvez tenha sido mesmo influência direta. Nos dois ensaios que também integram a compilação, a sonoridade é igualmente tosca, sendo de se notar que, numa delas, há o melhor desempenho do vocalista, ao lançar mão de um rosnado mais death metal e menos gritado que funciona bem.
A edição em vinil, como sói acontecer com os lançamentos da NWN, é de qualidade assombrosa, incluindo um encarte em forma de fanzine com a reprodução de inúmeras entrevistas e resenhas da banda publicadas no período (e até uma entrevista mais recente com o Cristiano, o antigo vocalista). Fantástico! Só senti falta da inclusão dos covers do Agathocles, famoso grupo de grindcore belga, que constam de um bootleg mais antigo do Necrobutcher que eu tenho. Nada, porém, que diminua a importância dessa definitiva compilação. A NWN presta verdadeiro serviço de utilidade pública ao imortalizar na mídia adqueada - o vinil - o material de uma das mais relevantes bandas do real metal extremo brasileiro do fim dos oitenta!

A sensacional versão em vinil (die hard) da NWN

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