terça-feira, 30 de julho de 2013

Neuro-Visceral Exhumation "Mass Murder Festival"

Faz já um tempo que decidi escutar novamente toda a minha coleção de cds. Sabia que ouvir tudo ia demorar. Afinal, tenho quatro mil discos digitais. Mas não achei que depois de quinze anos só teria ouvido dois terços do total. Algumas vezes deparei com goiabas horríveis. Coisas pavorosas que, simplesmente, não consegui entender a razão de haver um dia comprado. O destino dessas tralhas invariavelmente é o sebo. Claro, sempre levo prejuízo nessas negociações. Mas, pelo menos, arrumo espaço para adicionar novos títulos às minhas já lotadas prateleiras. De outro lado, muitas vezes redescubro discos excelentes. Discos que, por alguma razão, acabaram injustamente esquecidos no meio de muitos outros. Esses dias tive a felicidade de redescobrir uma dessas pérolas: "Mass Murder Festival", o full lenght de estreia da finada banda paulista de splatter Neuro-Visceral Exhumation, lançado em 2003 pelo selo australiano No Escape.
O que temos neste paly é o mais puro splatter que se pode almejar. Nada de influência de death metal nem de power violence. Nada de Suffocation ou Cannibal Corpse tocado ao dobro da velocidade - o que muitos passaram confusamente a entender como "splatter" a partir do fim dos anos 90. Quando falo de splatter quero dizer splatter mesmo: letras discorrendo principalmente sobre mortes cruentas, patologias e anomalias médicas (e não obsessivamente sobre fetichismo sexual, machismo chauvinista ou misoginia), riffs mórbidos derivados do grindcore old school, vocais absurdos nos extremos da distorção, baixo em curto-circuito tributário da escola napalmiana, passagens crust/hardcore no contra-tempo, picos histéricos de grind (que não se confundem com os blast beats do death ou do black metal noventistas) e insidiosas cadências quebra-pescoço vindas do metal mais imundo. É nessa cartilha que reza o Neuro-Visceral Exhumation.
A principal referência da banda é o maravilhoso Dead Infection, da Polônia, da fase clássica do "A Chapter of Accidents", conjunto do qual, significativamente, os paulistas fazem aqui um cover. Assim como nesse brutal play do Dead Infection, as músicas do Neuro-Visceral Exhumation, em "Mass Murder Festival", são totalmente guiadas pela velocidade, com evidente destaque para as levadas quebradas e epiléticas do batera, que, a propósito, é o compositor principal da banda. Alguns momentos mais cadenciados aparecem aqui e ali, mas com muita parcimônia (para o meu gosto, com parcimônia até demais). De fato, quando esses momentos mais cadenciados surgem, o convite ao headbanging torna-se irresistível, como se pode conferir na intoxicante "Fatal Anal Sex Disembowelment". Ouçam e me respondam se essa cadência demolidora não parece muito com as coisas que o Mortician - a banda mais grind do death clássico americano - gosta de fazer.
A produção eficiente (para o estilo) conferiu à bateria aquela sonoridade "pipoca na panela" tão característica das bandas de splatter pós-Carcass. Vocais mastigados e decompostos na mais pútrida distorção, escudados por ótimos riffs executados por uma sessão de cordas extremamente pesada, completam o time vitorioso do Neuro-Visceral Exhumation neste play. A banda ainda gravou um segundo full lenght - "The Human Society Wants More Gore" - no ano seguinte (2004), mostrando alguma influência de death metal e uma produção menos impactante. Embora também seja um bom disco, não se compara ao seu debut. Aliás, seria salutar se algum selo se dispusesse a relançar os splits gravados pela banda anteriormente aos seus full lenghts. Esse material raro e hoje totalmente fora de catálogo merece ser resgatado.
Na minha opinião, "Mass Murder Festival" é o melhor disco de verdadeiro splatter já gravado no Brasil. Um pequeno clássico do estilo, que pode ser colocado em pé de igualdade (ou próximo disso) com obras de bandas internacionais reconhecidas pertencentes à segunda e terceira ondas do splatter, como as do francês Pulmonary Fibrosis, do holandês Last Days of Humanity ou do alemão Mucupurulent. Mais uma prova inequívoca da força do underground brasileiro em todos os estilos mais radicais do punk e do metal.


Fidelidade ao splatter até no logo


O pessoal do N.V.E. na gravação do "Mass Murder Festival"


PS. Leiam também a resenha desse mesmo cd feita pelo K.O.D.A. no blogue Som Extremo

domingo, 28 de julho de 2013

Demonomancy (ITA) "Rites of Barbaric Demons"

Da Itália surge um brado furioso de ódio e vingança. Bem nas vetustas barbas do Vaticano acha-se uma das mais blasfemas e promissoras novas bandas do war black metal mundial.
Os romanos do Demonomancy (nada que ver com a banda homônima da Espanha) mostram neste longo ep de vinte e dois minutos, lançado pela Nuclear War Now!, um death/black realmente empolgante, com muitas mudanças de andamento, incluindo a presença de longas partes lentas (não tão comuns no estilo), e uma grande variedade de riffs. Os vocais seguem a linha típica do gênero e cumprem a contento seu papel. A boa produção conferiu uma sonoridade mais "aberta" - e não muito densa - à gravação: uma timbragem legal que lembra a do excelente Archgoat, da Finlândia. E não é somente na timbragem que a banda finlandesa é lembrada aqui. Também abundam no som do Demonomancy aquelas hipnóticas cadências sinuosas que são uma das marcas da banda de Angelslayer e cia. Outra influência inegável é Sarcófago antigo. Em muito momentos, principalmente nas levadas mais marciais, dá pra jurar que o velho DD Crazy assumiu as baquetas. Toques de Blasphemy, principalmente nas viradas de bateria, Black Witchery, em algumas ótimas guitarras e nos vocais, e de Demoncy (ouçam-se os riffs das partes rápidas de "Involution of Spirit into Mass"), também podem ser notados, assim como traços de death metal old school, na forma de cadências construídas por meio de pesadíssimos riffs de guitarras, na esteira do que faz o Incantation nos seus momentos mais doom - ou alguém é capaz de negar a filiação à escola John McEntee de composição naquele riff mórbido e arrastado que aparece da metade para o fim da faixa título do ep?
Sem embargo, isso não significa que o Demonomancy careça de personalidade. Mesmo uma abordagem original há de deitar raízes na tradição. É precisamente o que fazem os italianos, ao plasmar seu som a partir das referências clássicas do war black metal e do death/black em geral. Uma boa ilustração disso pode ser colhida na fulminante "Bearers of Black Arts", faixa originalmente registrada (em outra sessão) na demo de mesmo nome lançada em 2010.
Para o júbilo dos adoradores das artes negras, o full lenght de estreia do Demonomancy - "Throne of Demonic Proselytism" - acaba de ser lançado, por enquanto apenas no formato em vinil, pelo selo californiano Nuclear War Now!. Obviamente, já tratei de encomendar o meu, na caprichada versão die hard.
De todas as novas bandas de war black metal, e muitas têm surgido nos últimos tempos, o romano Demonomancy é um dos mais sérios candidatos ao posto de principal revelação. A habilidade ímpar com que a banda faz uma releitura da tradição é justamente seu diferencial e garante que não seja tomada apenas como outra cópia dos clássicos do estilo. Embora eu, pessoalmente, seja até tolerante com bandas que emulam outras (desde que a emulação seja competente), reconheço que originalidade agrega muito ao som. Ainda que não reinvente o gênero, o Demonomancy mostra que tem, sim, identidade. Este excelente ep é a prova definitiva. Que venha, agora, o full lenght!


O maléfico trio do Demonomancy 

A versão die hard do lp de estreia - "Throne of Demonic Proselytism"

sábado, 20 de julho de 2013

Cenotaph "The Gloomy Reflection of our Hidden Sorrows"

A cena death metal mexicana do finalzinho dos oitenta, início dos noventa, era cheia de bandas interessantes: Noctambulism, Shub Niggurath, Demogorgon, Coprofagia, Supplicium, Toxodeth, Mortuary, Transmetal, Bloodsoaked. A melhor e a mais famosa delas talvez tenha sido (junto com o Shub Niggurath) o Cenotaph.
Por muito tempo procurei, inutilmente, uma cópia do clássico debut da banda, "The Gloomy Reflection of our Hidden Sorrows". Inicialmente lançado em pequena tiragem, nos idos de 1992, pelo desconhecido selo Horus Productions, do México, o cd logo se tornou item fora de catálogo. Em 1998 houve um relançamento, com a arte da capa modificada (para pior), pelo selo Oz, do qual nunca achei uma única cópia. Foi apenas no começo deste ano de 2013, graças à iniciativa da também mexicana Chaos Records, que o disco, finalmente, voltou a ser disponibilizado de forma ampla ao público. Primeiro numa caprichada versão em vinil duplo colorido. Depois, em cd. De bônus foram incluídos os dois eps gravados pelo Cenotaph antes do primeiro lp: "Tenebrous Apparitions" (que já havia sido anteriormente veiculado em mídia digital numa compilação lançada um par de anos atrás pelo selo Distorted Harmony) e "The Eternal Disgrace", ambos de 1990.
Falando do som, o Cenotaph, em "The Gloomy Reflection", bebe diretamente na fonte do death sueco mais visceral – aquele da clássica sonoridade do Sunlight Studios. Vale dizer, um metal da morte superpesado, casca grossa e verdadeiramente sombrio. As faixas do play são bem variadas em matéria de andamento, com muitas mudanças de tempo – indo do grind ao doom – e também de riffs. Aliás, na catadupa de riffs que compõe o play, alguns são realmente memoráveis; já outros, nem tanto. De se registrar que essa mudança incessante numa mesma faixa soa, por vezes, um pouco confusa e acaba por comprometer a unidade da música. Mais ou menos na linha do que acontece com o primeiro lp do Dark Throne, na época em que os noruegueses tocavam death metal, e que também é uma forte influência para o Cenotaph. A semelhança com o som sueco revela-se ainda na onipresença de belas harmonias de guitarras construídas sobre bases arrastadas e pesadíssimas. Numa ou noutra faixa surge também algo do som antigo (quando eles ainda tocavam metal de respeito) da trindade inglesa do doom/death gótico: Anathema, My Dying Bride e, principalmente, Paradise Lost. Teclados discretos também surgem aqui e ali, apenas para intensificar as bases das guitarras. Todas essas características podem ser encontradas, por exemplo, na longa faixa "Ashes in the Rain".
A produção do disco é boa, embora pudesse ter conferido um pouco mais de densidade aos instrumentos, e claramente imita o estilo das bandas gravadas pelo mago Tomas Skogsberg no mesmo período. O vocal é outro ponto alto, cortesia do gutural soturno vomitado por Daniel Corchado, que depois viria a integrar (sem a mesma eficiência demonstrada aqui) uma das instituições do death metal americano, o Incantation.
Já nos eps, o Cenotaph se revela bem mais cru, com a adição de uma óbvia e corrosiva dose de Carcass antigo ao seu som. A produção, principalmente no primeiro dos eps ("The Eternal Disgrace"), deixa a desejar, embora não chegue ao ponto de impedir entender-se a música. A ótima e pútrida "Repulsive Odor of Decomposition", tema do ep "Tenebrous Apparitions" e que foi regravada em "The Gloomy Reflection", é apresentada aqui em sua versão original e, deve-se reconhecer, ficou mais pesada do que a versão do debut.
É uma pena que o Cenotaph, após seu lp de estreia e já sem o Corchado, tenha se distanciado do death metal mais sombrio para trilhar caminhos menos pesados e mais melódicos. Seria de se imaginar até onde a banda poderia ter chegado se tivesse maturado seu som sem perder sua essência radical. Sem embargo, "The Gloomy Reflection of our Hidden Sorrows", mesmo com seus pequenos defeitos, é um marco do death metal mexicano e seu providencial relançamento serve para nos lembrar de como o metal da morte do início dos noventa (antes de o lixo melódico se infiltrar no death metal) era absolutamente maravilhoso.


A versão em vinil do relançamento da Chaos Records
(também disponível em vinil laranja e no clássico vinil preto)

Cenotaph, com Daniel Corchado - por volta de 1992

quarta-feira, 17 de julho de 2013

parte final

4) A próxima edição do festival, o “Third Attack”, já tem data marcada, certo?

Eduardo Beherit – “Sim, hoje eu vou anunciá-la. Será realizada no dia nove de novembro (deste ano de 2013). As bandas já confirmadas são o Blasphemy e o Revenge (ambas do Canadá) e o Bestymator (do Brasil). Todas são bandas respeitadas na cena.”

5) O festival sempre contará com bandas nessa linha mais radical do black metal?

Eduardo Beherit – “Com certeza. O meu objetivo é trazer bandas que agreguem valor para o black metal mundial e não bandas que fazem som só para vender cds.”

6) Você me disse anteriormente que o festival tem prazo para terminar. Como é isso?

Eduardo Beherit – “A minha ideia é fazer o ‘Third Attack’ agora dia nove de novembro. Depois vou esperar um pouco, já que tem muita banda de fora querendo vir para o Brasil. Farei então mais uma ou duas edições e, aí, quero fazer o ‘Final Attack’, com a participação de uma banda de cada edição passada do festival. Esse será o fechamento do ‘Brazilian Ritual’.”


Cartaz da próxima edição do "Brazilian Ritual"
(notem que o Goatpenis já está confirmado!)

parte 2

1) Como foi o desafio de fazer o “Brazilian Ritual”?

Eduardo Beherit – “Infelizmente, promover festivais aqui no Brasil é muito caro e trabalhoso. Gasta-se muito dinheiro. Quando eu trouxe o Tyrant’s Blood (do Canadá), na primeira edição do ‘Brazilian Ritual’, o ‘First Attack’, tive um prejuízo enorme. Também estou tendo prejuízo agora, com o ‘Second Attack’. Mas é normal. Nunca viso a ganhar nada, nem um centavo.”

2) O que você espera alcançar com o festival? Qual seu objetivo?

Eduardo Beherit – “Fazia já uns quinze anos que eu queria trazer para o Brasil certas bandas internacionais. Bandas que defendem lá fora a cena black metal com bravura. Conheço os caras do Black Witchery há vinte e cinco anos. Eles sempre tiveram vontade de tocar no Brasil, de conhecer bandas como o Sarcófago. Trazê-los para cá é uma tentativa de recuperar aquela união black metal que tínhamos lá por 1988/89. Éramos muito mais unidos. Hoje vejo muita banda brigando por diferentes ideologias. Estou dando minha contribuição para tornar a cena black metal brasileira, principalmente a de São Paulo, que é muito forte, mais unida. É para isso que tenho trazido essas bandas de fora, que são grandes influências de bandas brasileiras, tanto mais antigas como mais novas. Quero mostrar a força da nossa cena e tentar reanimar a união black metal que tínhamos há vinte, vinte e cinco anos, e que hoje não temos mais. Enquanto eu puder, vou continuar com meu projeto, para fortalecer essa união em São Paulo e mostrar que o Brasil ainda é o país do black metal.”

3) Como você vê a reação do público? É positiva?

Eduardo Beherit – “Muitos dizem que eu luto por uma causa perdida. Mas, na verdade, acho que está dando certo. Muita gente que tem inimizade recíproca estará presente aqui, hoje, nos shows e todos garantiram que não haverá confusão, que respeitarão o evento. Fazer um som underground em São Paulo é muito difícil. Tem muita gente radical e metida em treta. Para mim, esse negócio de treta, de querer ser melhor do que os outros, é passado. Temos de nos unir de novo e mostrar para o Brasil a força que a gente tem. Essa é a mensagem do ‘Brazilian Ritual’.”

Entrevista com Eduardo Beherit, produtor do festival "Brazilian Ritual" (parte 1)

Nesses mais de vinte anos que venho frequentando shows de metal, já vi muita bagunça acontecer. Seja provocada por incompetência, desonestidade ou uma mistura explosiva das duas coisas, a origem das confusões, normalmente, pode ser traçada até uma má produção do evento.
Já vi um show ser cancelado, com a banda pronta para entrar no palco, porque o bilheteiro deixou um monte de gente entrar na casa pagando uma fração do ingresso. Vi uma banda headliner prensar o produtor num canto, minutos antes do seu show, a exigir o pagamento do cachê, sob a ameaça de não tocar. Já vi uma que cumpriu essa promessa e simplesmente picou a mula. Vi um produtor dar no pé com o dinheiro da bilheteria e deixar o público na mão na porta da casa de show. Vi gente vendendo ingresso clandestinamente fora da bilheteria, porque, lá dentro, um oficial de justiça cumpria ordem judicial de penhorar toda a renda do evento.
O público, quase sempre com acerto, põe a culpa na conta exclusiva da produção. Mas há também outro lado nessa história. O lado dos produtores que, muitas vezes até perdendo dinheiro, assumem a promoção de shows simplesmente porque são fãs das bandas ou porque são comprometidos com a cena. Um dos candidatos a entrar nessa última categoria é o produtor do “Brazilian Ritual”, o batalhador Eduardo Beherit. Sua iniciativa absolutamente inédita trouxe para o Brasil bandas líderes do cenário death/black metal mundial que nunca antes haviam tocado por aqui, como o finlandês Archgoat e o americano Black Witchery. E a promessa é de que a coisa não vai ficar por aí. Já para a próxima edição do festival, anuncia-se a presença do devastador Revenge e da lenda do war black metal Blasphemy, ambas do Canadá. Em uma rápida entrevista concedida pouco antes do início dos shows, Eduardo nos contou, entre outras coisas, o que o motiva a produzir o evento e o que pretende alcançar com ele. Confiram!

Caçador da Noite e Eduardo Beherit

terça-feira, 9 de julho de 2013

Saiu no site da Roadie Crew...

...a minha resenha do festival "Brazilian Ritual - Second Attack".

LINK PARA A RESENHA

A resenha ficará disponível, por enquanto, somente no site eletrônico da revista. As entrevistas (com o Archgoat e o Black Witchery) sairão em breve na versão impressa da Roadie Crew. Até onde sei, será a primeira vez que Black Witchery e Archgoat ganharão espaço numa grande revista brasileira de heavy metal.
Nos próximos dias também vou publicar, aqui no próprio blogue, a entrevista que fiz com o produtor do evento, o Eduardo Beherit, bem como, um pouco mais para o futuro, a versão original em inglês das entrevistas com as bandas gringas (inclusive com algum arquivo sonoro). Horns up!

sábado, 6 de julho de 2013

Nekroholocaust "In Memories of Fire"

Falsificação é algo comum nas artes. Na música não é diferente. Nem no metal. Sei de pelo menos dois casos, mais ou menos reconhecidos, de falsificações. Uma é a do Bloodfreak, dos EUA. Outra, a do Nargaroth, da Alemanha. Qual foi a falsificação? Ambos lançaram discos e afirmaram que foram gravados em determinada data quando, na verdade, foram gravados bem depois. No caso do Bloodfreak sabe-se que foi mera brincadeira, uma forma inusitada de prestar homenagem aos gloriosos anos oitenta. Já no caso do Nargaroth, parece (ao menos parece) que houve mesmo a tentativa de legitimar seu som se passando como banda de período anterior. Pois bem. Onde entra nessa história o Nekroholocaust? É que a banda alega que o material contido nesta coletânea foi gravado, na forma de demo, nos idos de 1988 e 89, embora só tenha sido lançado em cd, com tiragem mais ampla, em 2005, por iniciativa de um selo do qual eu jamais havia antes ouvido falar, a Mercenary Musik.
O que ouvimos aqui é impressionante. Um black/death quase sempre rápido, mas com passagens cadenciadas do tipo quebra-pescoço, construído sobre uma base fuderosa de thrash metal, pesado ao extremo e que exala radicalidade por todos os lados. Destaque, em especial, para o vocal realmente maligno, uma mistura de Tom Angelripper (Sodom) e Jeff Becerra (Possessed), e o baixo titanicamente grave. A sonoridade das guitarras também é um caso a parte. Não é muito fácil lembrar de outras bandas que tenham conseguido registrar uma sonoridade de cordas tão matadora. Isso é obtido pelo uso massivo de delay e reverb, cujo efeito colateral é transformar os riffs numa espécie de rajada indistinta e contínua de guitarra. Além de Possessed e Sodom, outras influências de respeito perpassam o som do Nekroholocaust, como Dark Angel (principalmente na constante palhetada de corda solta em "mi"), Death, Slayer, Bathory (na aura negra do som) e até Voi Vod. A execução das músicas deixa um pouco a desejar. Por vezes, parece que a guitarra e a bateria têm idéias diferentes sobre o tempo correto do que está a ser tocado. Mas nada que realmente atrapalhe o resultado final. Ouça-se, por exemplo, a apocalíptica "Embracer from the Dark Ages". Francamente, não tem cabimento, nesse tipo de som, pegar-se em tecnicalidades.
Se o material foi mesmo gravado no fim dos oitenta, então constitui um dos registros mais impactantes do underground metálico americano da época. Não dá pra entender como pode ter passado praticamente sem ser notado na ocasião - precisamente daí nasce a suspeita mais forte de falsificação. Como ponto a favor dos caras, de se registrar que quase tudo o que se escuta aqui podia ser encontrado em outras bandas (ultra-radicais) da mesma época. Digo quase tudo porque há um riff ou outro que aponta na direção de algo mais noventista, na linha do Profanatica. Contudo, mesmo nesse caso não dá pra cravar, só por isso, que a gravação seja de época posterior. Fosse assim e o Necrovore (banda oitentista que, como o Nekroholocaust, também tinha uns fraseados de guitarra avant-garde para a época) teria de ser considerado uma falsificação.
Pesquisando pela internet, encontrei este link, no qual um resenhista diz conhecer pessoalmente os caras da banda e ter tido acesso à demo no fim dos oitenta. A história que ele conta é verossímil, principalmente ao ressaltar que o pessoal do Nekroholocaust tocava antes na desconhecida banda de speed/thrash Necrophagia (da Califórnia, nada a ver com o Necrophagia famoso, de Ohio). Duas músicas contidas nesta compilação, inclusive, seriam versões mais antigas de músicas desse Necrophagia.
A verdade é que sendo uma banda dos anos oitenta (e acho que é) ou uma banda moderna, o que se escuta aqui é realmente excelente. Mandatório para fãs de black/death metal (e até thrash metal extremo) da velha escola.

A infame capa da compilação

Necrophagia (da Califórnia) - a versão light do Nekroholocaust?

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Anatomia "Decaying in Obscurity"

A nova onda de death metal old school desconhece fronteiras. Uma das bandas mais relevantes da atual cena vem do Japão e foi batizada com o nome latino Anatomia. Embora o grupo tenha sido formado apenas em 2002, seus integrantes são macacos-velhos no underground, já estando por aí a fazer barulho desde o início da década de noventa, época em que tocavam nos saudosos Transgressor e Necrophile.
A proposta do Anatomia é detonar um doom/death metal simples, porém sofisticado, cavernoso e pesadíssimo, com a preponderância de andamentos morosos mesmo nas partes um pouco mais rápidas (que nunca são, de fato, muito rápidas). A influência de Autopsy antigo é declarada, o que se percebe até pelos inúmeros covers que, ao longo da carreira, os caras já gravaram da banda de Chris Reifert. Em seu disco anterior, o bom “Dissected Humanity”, o Anatomia trilhou os caminhos mais tradicionais do estilo, recheando suas músicas com passagens meio-tempo. Já neste novo full lenght, “Decaying in Obscurity”, lançamento da Nuclear War Now!, a banda dá um passo adiante (ou será que para trás?) e imprime ao seu som uma cadência ainda mais arrastada. O resultado, em faixas como “Imminent Death” e “Eternally Forgotten”, é a transformação do seu clássico doom/death em algo próximo do funeral doom, com a presença de harmonias dedilhadas muito eficientes, que lembram um dos gigantes do estilo, o americano Catacombs. Outras influências também são notadas, como um flerte com o stoner no main riff de “Sinking into the Unknown” (mais ou menos na linha do que fazem os finlandeses do Hooded Menace) e até um andamento punk em “Garbage”. Um teclado discreto também surge aqui e ali, dando um molho legal no som. Ao contrário da primeira impressão que tive quando assisti ao Anatomia se apresentar no festival da NWN!, no final do ano passado, em Berlim, as guitarras não perderam espaço com a inclusão desses teclados. A única exceção, talvez, ocorra na faixa “The Unseen”, em que a melodia ficou, na minha opinião, um pouco exagerada.
A base da música do Anatomia, contudo, continua a ser o bom e velho doom/death. Amalgamado com as referências antes citadas, o resultado é um som mega-ultra pesado, que a banda define como “dismal slow death metal”. Vale destacar, ainda, o excelente vocal gutural (um dos melhores do atual death metal old school) e a ótima produção, que valorizou com competência os elementos mais abismais do som da banda. Embora todas as faixas tenham seus bons momentos, ressalto a fantasmagórica "Dead Body Art", música que já havia aparecido, em outra versão, na demo “Human Lust”, gravada em 2009. Trata-se, simplesmente, da melhor composição da carreira do Anatomia. Seu riff tétrico (totalmente death metal), levada arrastada e clima lúgubre ilustram muito bem o que deve ser o inesperado encontro com um espírito errante num cemitério tomado de neblinas miasmáticas em noite enluarada. Death metal moroso e absurdamente sombrio, especialmente recomendado a quem não se melindra facilmente diante dos terrores inauditos da escuridão.


A bela capa de "Decaying in Obscurity" 


Anatomia detonando ao vivo