segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Festival Objeto de la Obscuridad - resenha dos shows I

Detalhe da simpática ambientação de palco
Disse que não ia, mas fui.
Embora já tivesse comprado a passagem para o dia do Brazilian Ritual, resolvi, de última hora, mudar meus planos e antecipar a viagem para São Paulo, de modo a poder assistir aos shows do Objeto de la Obscuridad. Afinal, seria a primeira vez que as ótimas bandas chilenas Force of Darkness, Hades Archer e Wrathprayer tocariam no Brasil.
Assim como eu, parte do pessoal que foi para ver Blasphemy, Revenge e companhia limitada, cuja apresentação ocorreria no dia seguinte em São Bernardo, também compareceu à Fofinho, na sexta-feira, para presenciar a performance dos chilenos. A casa não ficou lotada, mas deu um público razoável. No meio dele era possível ouvir muitos falando em espanhol. Gente que vinha da Bolívia, Peru, do México e, claro, do próprio Chile somava-se a brasileiros de todos os cantos do país para prestigiar o evento. Os caras do Blasphemy e do Revenge também deram o ar de sua graça. Até o maníaco do Impurath, baixista e vocalista do americano Black Witchery, banda que sequer tinha apresentação agendada no Brasil, apareceu por lá.
O metal market do evento, em especial, estava muito legal, com stands de pequenos selos e distribuidores de várias partes da América do Sul. Além de ter comprado muita coisa interessante, fiquei sabendo, por intermédio do cara da Veins Full of Wrath Productions, que certas demos de culto chilenas do fim dos oitenta e início dos noventa – demos que, até agora, não haviam sido alvo de relançamento – acabaram de ser reeditadas no Chile, caso do maravilhoso Darkness (infelizmente, ninguém as levou para vender no evento), ou estão em vias de ser, caso do lendário Bloody Cross. Quase bangueei de alegria. Trata-se de material absolutamente obrigatório para os aficionados pelo metal sudamericano da velha escola!
Bom, vamos aos shows.
Infelizmente não assisti à primeira banda brasileira a tocar, o Fecifectum, de São Paulo, pois estava concentrado em vasculhar o metal market. Já a segunda, o também paulistano Tenebrous Infernal Abyss, muito embora esteja na ativa desde 2004, era novidade para mim.
Tenebrous Infernal Abyss em ação no festival
A banda detona um ótimo black/death metal em que os elementos black se sobressaem sobre os death. O power trio mandou ver no palco e conquistou a plateia, inclusive a mim, com um show competente. Destaques para o vocal gutural e para as marcantes linhas de baixo, que dão o tom mais death no som da banda. Fiquei particularmente impressionado com essa sonoridade pesada e gordurosa do baixo, a fugir daquela timbragem mais aguda e muito em cima das guitarras que é praticamente lugar comum no black metal de linhagem noventista. Muito boa banda, que já conta, em sua ainda curta discografia, com duas demos e dois splits.

Festival Objeto de la Obscuridad - resenha dos shows II

Hades Archer: chilean satanic black/death kult!
Em seguida entrou em cena a primeira banda chilena, o Hades Archer. O som dos caras é bem original, transitando entre o thrash extremo, o death e, principalmente, o black metal. Na verdade, é um pouco artificial dizer que eles “transitam” por esses estilos, já que o som da banda é rigorosamente old school e oitentista, ou seja, bebe numa tradição em que essas distinções ou não fazem muito sentido ou são pouco esclarecedoras. Com efeito, não se cuida, aqui, daquele estridente black noventista na linha Dark Throne, mas de um black da velha guarda, no qual se agrega algo do velho Samael e daquelas antigas bandas clássicas da Grécia, nas partes lentas, Bathory dos primeiros discos e, mais do que tudo, Mortuary Drape, grupo do qual, inclusive, eles registraram uma boa cover (Primordial) no seu último full lenght. Várias músicas dos seus dois plays, For the Diabolical Ages (2011) e o excelente The Curse over Mankind (2012), constaram do set, com destaque para a lenta e climática Into the Black Mass, faixa do primeiro lp. Menção especial merece o vocalista, que tem ótima imposição vocal para o tipo de som que o Hades Archer leva. Um show muito bom que foi um pouco prejudicado, entretanto, pelo fato de a banda ter-se apresentado com apenas dois integrantes, sem baixista. Ainda assim, o duo conseguiu mostrar o poderio inquestionável de sua música.

Wrathprayer detonando o melhor show da noite
O Warthprayer, de Roncagua, foi a banda seguinte e, para mim, fez o melhor show da noite. Essa foi a segunda vez que tive a oportunidade de vê-lo, já que tinha assistido à sua apresentação no festival da NWN!, em Berlim, no fim do ano passado. Naquela ocasião ainda não conhecia o som da banda. Dessa vez foi diferente e pude avaliar melhor o show. O patamar de profissionalismo que, em pouco tempo, o Wrathprayer conseguiu atingir é de espantar. Fica mesmo difícil encontrar pontos negativos na performance dos caras. Agora como quarteto, o paredão sonoro que a banda constrói em estúdio fica ainda mais esmagador. Trata-se de um som soturno, pesado ao extremo, sufocante e incrivelmente mórbido. Como já havia notado quando fiz a resenha do seu disco de estreia e, até agora, seu único lp, The Sun of Moloch (2012), o americano Demoncy, da época do clássico Joined in Darkness, parece ser a referência mais próxima dos chilenos, embora esteja longe de servir-lhes como modelo. Música muito bem composta e executada com extrema fidelidade foi o que todos os presentes puderam testemunhar. Sem exagero, afirmo desde já que o Wrathprayer faz parte da elite do atual black/death metal mundial. Forte indicio desse sucesso foi sua presença, repita-se, no importante festival da NWN! e sua anunciada participação no próximo Maryland Deathfest, atualmente o melhor e mais prestigiado deathfest dos EUA. Realmente uma banda de nível superior.

Festival Objeto de la Obscuridad - resenha dos shows III

Force of Darkness fecha o evento, que já deixou saudade!
Para fechar o evento, subiu ao palco o conhecido Force of Darkness. Banda mais antiga, entre as chilenas, e a mais thrash da noite, o power trio mostrou para um público altamente receptivo suas músicas rápidas, calcadas em Mutilator, Sarcófago, Sodom e Kreator antigos, nas quais se destaca a riferama furiosa movida a incessantes palhetadas. De se ressaltar o desempenho do carismático baixista/vocalista (também responsável pelas guitarras/vocais no Hades Archer), que usa e abusa daqueles saudosos agudos diabólicos usados por Tom Araya no Show No Mercy e pelo nosso Wagner Antichrist no primeiro do Sarcófago. Embora o Force of Darkness seja, das três chilenas, a formação de que eu menos goste, sem dúvida fez o show que mais agitou a galera. A banda já conta com um par de full lenghts e outro de splits, além de duas demos antigas, e goza de imenso prestigio no underground metálico de seu país – até por isso, foi a escolhida para encerrar a noite. Mais um show profissional, que demonstra o momento maravilhoso pelo qual passa a cena de metal extremo chilena. Sem dúvida, hoje, a número um da América do Sul.
Que venham outros eventos relevantes como esse, pois o intercâmbio entre as bandas e os fãs de nossa maldita e gigantesca Sudamerica não pode gerar nada mais do que ótimos frutos para toda a cena.
PS. A nota negativa ficou por conta do furto do case contendo o baixo do cara do Force of Darkness. É difícil acreditar que alguém possa entrar livremente no backstage para roubar os músicos e que ninguém veja nada. Tipo de coisa que não dá mais para admitir, mesmo em se cuidando de um evento totalmente underground.

domingo, 3 de novembro de 2013

Entrevista com Ritual Butcherer (ARCHGOAT) - 1a parte

O mundo do jornalismo profissional é mesmo complicado. A entrevista abaixo, feita por mim com o guitarrista Ritual Butcherer, integrante do fantástico grupo finlandês Archgoat, momentos antes de a banda entrar no palco do festival Brazilian Ritual - Second Attack, estava programada para ser publicada na versão impressa da Roadie Crew. No entanto, a pauta caiu e termino, agora, por publicá-la aqui mesmo no blogue. Logo abaixo, disponibilizo a versão integral, tal qual a enviei para publicação na referida revista. Confiram!




ARCHGOAT
Pense numa época em que bandas hoje arquetípicas como Emperor, Dark Throne, Burzum, Immortal, Satyricion ou Mayhem, seja porque ainda não existiam, seja porque tocavam outros estilos, pouco ou nada significavam para o black metal. Depois da explosão do metal negro norueguês na primeira metade dos anos noventa, fica até difícil imaginar. Porém, na virada dos oitenta para os noventa, as bandas mais representativas do black metal não se encontravam na Noruega, mas em lugares como o nosso Brasil, o Canadá e a Finlândia. O Archgoat era uma delas. Formado na gelada Finlândia, nos idos de 1989, pelos irmãos Angelslayer (baixo/vocal) e Ritual Butcherer (guitarra), a banda construiu sua fama como um dos mais selvagens exemplares do metal satânico mundial. Desde sua primeira demo, “Jesus Spawn”, gravada em 1991, passando pelo seu mini lp de 1993, o clássico “Angelcunt”, até o lançamento de seus dois full lenghts e de seu último ep, já nos anos 2000, o Archgoat vem mostrando o lado mais cáustico, rude e extremo do black metal, não se furtando a incorporar influências de outros estilos musicais igualmente cavernosos como o death metal old school e o velho grindcore. Pela primeira vez no Brasil, com vistas a participar do festival “Brazilian Ritual – Second Attack”, a banda nos concedeu essa curta, porém esclarecedora, entrevista, na qual temas envolvendo a antiga cena black metal finlandesa foram também abordados. Deixo vocês com o fã declarado de Sarcófago, Ritual Butcherer, responsável pelo machado de seis cordas da banda.



1) O Archgoat é uma banda icônica do cenário black metal finlandês do início dos noventa. Como era fazer parte daquela cena, ao lado de Black Crucifixion, Impaled Nazarene, Beherit, Belial?


RITUAL BUTCHERER – “Para mim não era nada de especial. Eu cresci no sul da Finlândia e essas bandas são do norte do país. Nós tínhamos bandas na nossa área, bandas de death metal, black metal e grindcore. Mas a cena (black metal) surgiu depois.”



2) O quanto há de verdade na suposta disputa que teria ocorrido, naquela época, entre as bandas de black metal da Finlândia e as bandas de black metal da Noruega? O quão sério foi essa disputa?


RITUAL BUTCHERER – “Tudo começou com um telefonema feito por alguém bêbado no meio da noite. Algum garoto norueguês ou finlandês telefonou para o outro e esse simples telefonema gerou todo esse tolo disse-que-me-disse de um falando mal do outro. Acho que envolveu os caras do Burzum ou talvez do Emperor (da parte da Noruega) e o Impaled Nazarene (da parte da Finlândia). É bobagem. Estupidez. Coisa de criança. Nunca tomamos parte nisso.”


3) O Archgoat esteve inativo por cerca de dez anos. Ao que se deveu essa parada? O que você pretendia expressar com sua música no início dos noventa é, em algum sentido, diferente do que pretende expressar hoje?


RITUAL BUTCHERER – “A razão pela qual nós acabamos com o Archgoat foi porque a cena de black metal noventista tinha se tornado comercial. Bandas estavam mudando seu estilo de música para o black metal apenas para vender mais discos. (A cena) não era mais verdadeira, na minha opinião. Não queríamos ter nada a ver com esse tipo de cena comercial. Para nós, black metal é real, vem do coração. Nós temos tocado o mesmo estilo. Nosso estilo. De repente, você tinha bandas de death metal e de grindcore virando black metal da noite para o dia apenas para vender discos. Nós não queríamos tocar nesse tipo de cena. Quando voltamos nada mudou para nós. Fazemos a mesma coisa do começo. As razões (para tocar) são as mesmas.”

Entrevista com Ritual Butcherer (ARCHGOAT) - final

4) Como você vê a evolução da banda desde a primeira demo, “Jesus Spawn”, gravada em 1991, até o último ep, “Heavenly Vulva”, gravado em 2011?

RITUAL BUTCHERER – “Não vejo grandes diferenças. Quando começamos a banda, nós já sabíamos o tipo de som que queríamos. Nossa música sofreu pouquíssimas mudanças. Por exemplo, eu sempre uso o mesmo equipamento para gravar. Agora nós temos músicas (inteiramente) lentas. Nosso novo baterista (Sinisterror) é mais rápido do que o antigo. Isso nos dá a possibilidade de fazer um som mais rápido também.”


5) A volta da banda foi marcada pelo lançamento em vinil de um ep de três faixas, com material gravado em 1993. Há ainda mais algum material inédito da banda daquela época ou mesmo de outra? Se houver, vocês pretendem lançá-lo?

RITUAL BUTCHERER – “Daquela época (1993) nós até tínhamos mais algumas músicas, mas não iremos lançá-las. Eu tinha (as gravações), mas as perdi. Já era. Temos algumas (músicas inéditas) da gravação do ‘Whore of Bethlehem’. Vamos incluí-las no relançamento, em vinil e cd, do álbum, mais para o final do ano. Esse relançamento terá coisas especiais.”


6) Li em uma entrevista antiga que você é fã de grindcore old school. É uma influência importante para o som do Archgoat?

RITUAL BUTCHERER – “Eu adoro grindcore antigo. Carcass é a minha banda favorita. Se você escutar o ‘Reek of Putrefaction’ (primeiro lp do Carcass) e escutar o ‘Angelcunt’ (primeiro mini lp do Archgoat), verá que nós temos alguns elementos do Carcass, do antigo Carcass.”


7) Vocês tocaram recentemente na Tailândia. Antes, tocaram nos EUA. Agora vão tocar no Brasil. Como é para a banda tocar pela primeira vez nesses lugares? Você vê alguma diferença importante entre os públicos desses países?

RITUAL BUTCHERER – “É sempre interessante ir para esses lugares. A Tailândia foi especial. Mas o Brasil é realmente meu lugar favorito. Veja, o Sarcófago tem sido uma das minhas maiores influências. Eles influenciaram o meu jeito de compor música. Agora, vinte e quatro anos depois, nós estamos aqui, dando isso de volta ao Brasil. Esse tipo de versão do Sarcófago como nós a tocamos. Então, vir aqui para o Brasil é fantástico para nós. Os Estados Unidos são um lugar legal para se tocar, mas a cena deles não é como a daqui ou a da Tailândia. Esses são realmente lugares especiais.”


8) Então, provavelmente, você é um grande fã de toda aquela cena deathcore antiga de Belo Horizonte...

RITUAL BUTCHERER – “Sim. Eu coleciono as bandas. Tenho muitos daqueles discos antigos da Cogumelo, tipo Sepultura – realmente amo o ‘Morbid Visions’ – Sarcófago, Sex Trash, Vulcano.”


9) O Archgoat e o Black Witchery tocaram ano passado juntos na Noruega e, um pouco antes, na Finlândia. Parece que as bandas têm uma ligação forte, certo?

RITUAL BUTCHERER – “A galera do Black Witchery é nossa irmã. Antes de conhecermos os caras nós já adorávamos a música deles e eles, a nossa. Quando nos conhecemos pessoalmente (uma ligação foi criada). Nós estamos felizes de tocar com eles. Para sempre. É um ótimo pessoal.”


Ritual Butcherer e Caçador da Noite